Talvez não seja uma tarefa fácil a de organizar os motivos que fizeram o rapper, estilista, empresário e pai, Kanye West, colapsar tal como estamos acompanhando hoje em dia. Essa linha do tempo não começa com o divórcio entre Kanye e Kim, tampouco com o controverso MTV VMA de 2009.
Neste artigo, vamos tentar reunir questões que dizem respeito ao estatuto de Kanye West e tecer reflexões acerca desta realidade. Entre teorias da conspiração, comentários antissemitas, quebra de contratos, time de basquete cortado de campeonato e crítica ao movimento ‘Black Lives Matter’, qual o retrato das polêmicas do rapper?
Linha do tempo: O que ele disse?
03 de Outubro: Camiseta ‘White Lives Matter’: Kanye organiza um desfile surpresa de sua marca Yeezy, em Paris, apresentando a 9ª temporada de sua coleção. Antes do desfile iniciar, o rapper fez um discurso. Na ocasião, ele estava usando uma camiseta estampada “White Lives Matter”. A estampa foi recebida pelas pessoas a partir de diferentes interpretações, alguns acreditavam que tratava-se de uma ironia em relação ao movimento ‘Black Lives Matter‘, já outros acreditaram que Kanye estava ironizando a frase.
No dia 06 de Outubro, em seu Instagram, ao se justificar, o empresário reforçou que vidas brancas importam e que por isso estava usando a camiseta.
06 de Outubro: Pró-vida: Em uma entrevista a Tucker Carlson, da FOX News, o rapper estava usando um ultrassom em volta do pescoço. Nesta entrevista, Kanye se apresenta como uma pessoa “pró-vida” e por isso defende de que a vida de pessoas brancas importa, tanto quanto as negras. O rapper também disse que “Há mais bebes negros sendo abortados em Nova Yokr atualmente, do que nascendo“, daí o reforço ao argumento contra ao aborto.
A controvérsia neste caso, é que, diante de um movimento importante e grandioso como o “Black Lives Matter“, não é necessário assumir ou presumir que vidas brancas importam. É bastante óbvio que todas as vidas importam, contudo, no contexto do racismo estrutural que organiza a nossa sociedade, o que fica aparente no imaginário social é que as vidas negras são as vidas passíveis de serem encerradas a qualquer momento, de qualquer maneira e por qualquer um. A grandeza do movimento Black Lives Matter, não é porque ele exclui outras cores de vida para serem celebradas, mas ela relembra, a partir do caso cruel e violento ocorrido com George Floyd, que as vidas negras importam.
Um dos lados triste do movimento BLM, é que ele existiu para reafirmar o óbvio e não porque ele excluiu vidas brancas de sua narrativa.
07 de Outubro: Antissemetismo: Neste dia, Kanye foi bloqueado pela plataforma Instagram por violar os direitos de uso da plataforma. Posteriormente ele reclama da rede social de Mark Zuckerberg. O caso que levou Kanye West a ser bloqueado, se deu pelo fato de que o rapper compartilhou um stories com print de uma conversa que teve com o rapper Sean “Diddy” Combs, no qual disse que usaria Diddy como exemplo para mostrar ao povo judeu que ele não poderia ser infuenciado ou ameaçado e que o Comitê Judaíco Americano invoca “tropos como ganância e controle” do povo judeu.
Em seguida, Kanye West vai ai Twitter e escreve “death con 3 com o povo judeu”. A grande controvérsia em torno deste tweet advém do fato de que Kanye faz alusão ao termo militar “Defcon“, no qual faz referência a condição de prontidão de defesa. Existem 5 níveis de gravidade neste sistema de alerta, sendo o nível 5 mais baixo e o nível 1 mais alto. Dessa forma, ao eleger o povo judeu como “perigo de nível 3”, Kanye sugere que ele iria infligir algum ato violento contra o povo judeu.
15 de Outubro: Menção ao George Floyd: Em uma episódio deletado de “Drink Champs“, o rapper afirma falsamente que George Floyd morreu por fentanil (o opióide mais forte disponível para uso médico em seres humanos, com cerca de 100 vezes a potência da morfina). A família de George Floyd disse que iria processar Kanye.
27 de Outubro: Donda Academy, time de Kanye, é encerrado: Segundo o TMZ, portal de notícias popular nos Estados Unidos, o time de basquete de ensino médio de Kanye West, estava sendo removido do torneio “Scholastic Play-By-Play Classic“, devido às falas do rapper. Um detalhe, é que o time é composto pelos melhores jogadores da categoria.
A escola Donda Academy foi fechada, até o fim deste ano. As notícias do fechamento da Donda Academy vêm logo após corporações como Adidas, Foot Locker, Gap e CAA cortando laços com o rapper devido a seus comentários antissemitas.
25 de Outubro: Adidas encerra parceria com o cantor: Neste dia, a marca alemã Adidas, informou que estaria encerrando a parceria com Kanye West. A parceria rendeu a coleção Yeezy. A coleção foi uma das responsáveis por colocar a Adidas no mercado norte americano e competir diretamente com a Nike.
Com o fim do contrato com a Adidas, Kanye deixa de ser bilionário. Mas, de tudo que foi narrado, este é o menor dos problemas.
O que tudo isso representa de Kanye West?
Precisamos falar sobre saúde mental neste tópico. Kanye West, que prefere ser chamado de Ye, é diagnosticado com bipolaridade. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o transtorno afetivo bipolar atinge atualmente cerca de 140 milhões de pessoas no mundo. É uma diagnóstico comum, mas, como se chega ao diagnóstico e como a pessoa vai se medicar diante do transtorno, é subjetivo. Depende de cada profissional e também paciente.
Ye, admite que não tomas os seus remédios e afirma que foi diagnosticado com o transtorno errado.
A situação mental de Kanye West não é algo que deveria ser público. Tampouco, a saúde mental do rapper deveria ser a justificativa para que ele aja da maneira como está agindo. O ponto dessa questão, reside no fato de psicologizar a condição de Ye e, a partir disso, redimi-lo de todos os erros. Mas, a saúde mental do artista é algo a ser levado em consideração.
Ye é um homem negro, estaduunidense e pai. Esses marcadores sociais não deveriam servir de justificativa ou de pretensas conclusões para as falas do rapper. No entanto, precisamos falar sobre como a estrutura racista se alimenta para continuar operando na esfera do social. Em um mundo como o nosso, com uma história como a nossa, pessoas negras são corpos mais fáceis para sofrer linchamento e, ao mesmo tempo, são corpos mais difíceis de serem perdoados. Uma corpo dócil, no qual existe um desejo racista de controle.
O que tudo isso significa? Significa que Kanye é um ser humano, na condição de pessoa negra e, possivelmente, bipolar. Precisamos humanizar o cantor, ou seja, tirar a faceta de monstro ou doido, como comumente se faz para com as pessoas que agem de maneira imoral, para entendermos que:
- As pessoas são capazes de fazer o que fazem;
- A partir da humanização de Ye, podemos estabelecer parâmetros de julgamentos de seu caso.
Parece irreal acreditar que uma pessoa negra seria capaz de defender falsamente que George Floyd, por exemplo, não morreu asfixiado pelos joelhos do policial Derek Chauvin, mas sim por fentanil, né? Mas isso ocorreu e precisamos entender que Kanye West disse isso. Mesmo pedindo desculpas em relação ao caso, Ye não está isento de ser julgado por isso e de ser questionado por sua plataforma, que advém pela cena musical do hip-hop, do qual ele surgiu.
Na edição de 2022 do Big Brother Brasil, Natalia Deodato defendeu a ideia de que ‘as pessoas negras que vieram da África seriam escolhidas’ para virem ao Brasil por serem “capazes e fortes para realizar o trabalho”. A defesa dessa ideia é absurda. No calor do momento, referente a essa fala da Natalia, muitas pessoas se posicionaram contra. Uma das pessoas que se posicionaram foi a influencer Ana Paula Xongani. Na oportunidade, ela disse que “as pessoas negras passam por um processo tão forte de apagamento da identidade, que a história dos seus pode ser usurpada, para parecer outra coisa senão o que é“.
Kanye West ou Ye, vai passar pelo julgamento de suas falas porque ele defendeu o que disse. O seu time de basquete, Donda Academy, por exemplo, não deveria passar pelo que passou. É preciso compreender todo o contexto por trás da estrutura social e formar uma apontamento sólido diante do caso.
Kanye West não é isento de culpa, mas, ele não pode ser carente de sua humanização.
Fato é que, a problemática do raper é atravessa por diferentes marcadores sociais e individuais. Não é preciso defendê-lo, tampouco acusá-lo, o importante, talvez, seja entender o porque suas falas estão erradas e não reproduzi-las e/ou compactuar com elas.
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