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Copa do Mundo: Qatar e as Mulheres

Na Copa do Mundo de 2022 existem, certamente, muitos motivos para comemorar e vibrar com os jogos. Seja via transmissão de televisão ou lá no estádio, a energia contagiante de um evento como esse, têm dimensão global nas paixões humanas. Todavia, optamos por abordar aqui no Portal da Diversidade, um tema do background da Copa do Mundo 2022, que emerge do choque das culturas e da luta global.

Na postagem de hoje, traremos um pouco de como é a relação do país que está sediando a Copa do Mundo, o Qatar, com as mulheres. Com uma legislação rígida anti-LGBTQIAP+ e com restrições às mulheres, como está sendo para as mulheres a experiência da Copa nestes primeiros dias?

Polêmico em muitos sentidos:

A escolha do Qatar para sediar a edição da Copa do Mundo de 2022 foi bastante comentada na internet. A grande preocupação em torno da escolha do país eram, justamente, os tratamentos que a comunidade LGBTQIAP + e as mulheres receberiam no Qatar.

A falta de informação ou conhecimento em relação aos países dos do Golfo Pérsico é um motor que gera conversas e discussões sobre os países, a cultura e o estilo de vida.

É uma via de mão dupla: de uma lado a falta de conhecimento, que gera associações e valores estereotipados. Por outro lado, o conhecimento possibilita informações concretas e reais. Preferimos a segunda opção, nesta análise. Ou seja, procuramos visualziar como se dá a luta das mulheres, removendo as lentes de nossa cultura.

As mulheres e a Copa do Mundo 2022:

A primeira coisa que precisa ser comentada sobre este tópico, é a relação que mulheres estrangeiras têm com o país Qatar e as mulheres que residem no país.

Do ponto de vista de vestimenta, as abaya e o hijab, por exemplo, não são uma necessidade para as turistas, ao menos não em lugares que não sejam religiosos. As turistas precisam, no entanto, se vestir de acordo com as normas do país. Neste caso, elas devem evitar roupas com decote, mantendo os joelhos e ombros cobertos.

Os trajes de banho, também não são permitidos em praias públicas. Eles só são permitidos de ser usados em praias particulares de hotel, piscinas privadas ou spas.

A mobilidade, também é uma constante no país. No metrô, que funciona 24 horas, há três tipos de vagões: gold, família e padrão. Dentre essas três opções, a melhor para as mulheres desacompanhadas é o vagão família, já que nestes, não é permitida a entrada de homens desacompanhados.

Além disso, as mulheres podem dirigir e alugar carros, mas, mediante a uma carteira de habilitação do país e uma outra com validade internacional. Normalmente, as mulheres podem andar pelo Qatar desacompanhadas, seguras e com liberdade. Mas é preciso seguir as regras acerca das vestimentas e comportamento, além da permissão do companheiro.

Em uma matéria do UOL, feita sobre a relação das mulheres do Qatar e a sua ida ao estádio, ficou evidente que grande parte das mulheres estavam ali pela primeira vez. Um dos motivos, é que é incomum na cultura do país, mulheres acompanharem os jogos ao vivo.

O que chama a atenção na matéria, além dos relatos, é a maneira como as mulheres chamadas para participar da entrevista se comportam. Uma delas, deu a entrevista, mas só acompanhada de seu guardião. Uma outra, aceitou dar a entrevista, mas sem fotos, isso porque algumas correntes do islamismo acham desrespeitoso que mulheres tirem fotos.

Um guardião:

Todas no Qatar têm um guardião masculino. O primeiro guardião é o pai, depois é o marido. As mulheres precisam obter a autorização do guardião para se casar, para viajar para outros países ou trabalharem em cargos específicos.

Segundo a Pesquisa “Human Right Watch 2021”, na seção sobre os direitos das mulheres do Qatar, são descritas uma série de atividades divergentes que as mulheres têm em relação aos homens de seu país. A divergência é ainda maior, quando são analisados os casos em que o marido tem mais privilégios que a esposa. Em um casamento, por exemplo, o homem pode ter até quatro esposas e a mulher, a menos que apresente um “motivo legítimo”, não pode negar sexo ao marido.

Situação complexa para os países do Golfo Pérsico:

A situação social das mulheres em países como o Qatar, e em países mais extremistas do Golfo Pérsico, é de uma complexidade única. Isso porque, a religião e o fundamentalismo religioso é uma das razões pela qual todo o sistema de hierarquia do homem sobre as mulheres existe (patriarcado). 

Todavia, por existir essa realidade, não significa que não exista um “feminismo árabe”. É equivocado presumir que o “feminismo precisa ser levado para estes países”. É necessário cuidado neste ponto, há um processo cultural-religioso a ser questionado. No artigo “A mulher no Oriente Médio e o Feminismo Islâmico”, de Claudia Santos, logo no primeiro parágrafo, ela defende.

A compreensão de religião nas Ciências Sociais é de que “as práticas religiosas, as expressões de fé, as representações simbólicas e os discursos são reveladores de relações sociais” (NUNES apud HIRATA, 2009, p. 213). Desse modo, ao se propor estudar o Oriente Médio parece ser indispensável a complementaridade do estudo da religião, visto a sua relação direta sobre as relações sociais e de gênero por meio dos costumes e tradições (grifo nosso).

Culturalmente inferiorizada e em uma região no qual optou por ir na contramão da “progressão capitalista”, o mundo árabe posiciona a mulher no lugar do outro, tal como Simone de Beauvoir identifica em seu livro O Segundo Sexo, 1949. Esse Outro, diferentemente do mundo de cá, é reconhecido pela Lei enquanto um Outro. Ou seja, há uma religião que fundamenta os princípios das leis dos homens. 

A lei islâmica diferencia os direitos das mulheres dos direitos dos homens, no sentido de que a mulher é vista como dominada pela sua sexualidade e deve ser protegida e controlada pelo homem, que é mais poderoso mentalmente, fisicamente e socialmente do que a mulher. A mulher árabe é proibida de aprender sobre a sua sexualidade, a única coisa que ela deve saber é que se ela falhar na sua obrigação como esposa ela será culpada. Caso a mulher árabe não se comporte conforme os preceitos da sua cultura, ela causará a desonra do nome da família ou até mesmo provocará a sua morte. 

Cila Lima, em Feminismo islâmico, diz que há uma dualidade no feminismo islâmico. Essa dualidade está entre um ““jihad de gênero” (sendo este um ativismo religioso, cujas reivindicações parecem sobrepor o Islã aos direitos das mulheres) e, de outro, os defensores dos direitos humanos internacionais (um ativismo político que atua no sentido de aplicar ao Islã os direitos das mulheres, vistos como supraculturais)“. 

Contudo, o ponto em comum no feminismo islâmico é partir do ponto de opressão: as instituições religiosas que se apoderam da mensagem espiritual para rebaixar a mulher ao campo da serviente.

A Copa do Mundo de 2022, que está ocorrendo no Qatar, deu mais vazão ainda para o mundo olhar com cuidado para estes países e seus costumes. Há um processo completamente diferente do nosso, na construção da opressão. Apesar de encontrarmos na religião católica ou evangélica, por exemplo, pensamentos que defendem e aprisionam a mulher no lugar do Outro ou demonizam pessoas LGBTQIAP+, eles não são marcadores políticos e legislativos.

Sugerimos, ao final de tudo, que todo e qualquer produção nacional e internacional, acerca da realidade das mulheres do mundo árabe seja lida e compreendidas por nossos leitores. Afinal, a condição precisa ser compreendida, para ela ser deslocada para as mudanças. O cuidado na hora de tratar este assunto, não é para as feministas e as teóricas, mas é para o senso comum.

Você sabe mais sobre o feminismo nos países árabes? Comente aqui a sua opinião e vamos juntos construir um conhecimento. Lembre-se, Diversidade Importa.

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